Depois de uma primeira tentativa de leilão sem que houvesse interessados, agora fundos de investimentos e construtoras travam uma uma espécie de queda-de-braço pela concessão dos 870 quilômetros da chamada Rota da Celulose, que foi reofertada com exigências menores de investimentos e tarifas de pedágio mais atrativas.
É que a segunda colocada no leilão realizado no dia 8 de maio, o consórcio coordenado pela XP Infra Fundo de Investimentos, está tentando desbancar os vencedores do certame, o fundo de investimentos Galapagos e a empresa K-Infra.
Na segunda-feira (2), segundo o jornal Valor Econômico, o consórcio da XP protocolou um recurso colocando em xeque a capacidade técnica da vencedora. O questionamento surgiu porque a operadora de rodovias K-Infra perdeu a única concessão que tem no país, a Rodovia do Aço, no Rio de Janeiro.

A caducidade da concessionária já havia sido decidida pelo governo federal há meses, mas não havia sido oficializada porque a empresa havia conseguido uma liminar, derrubada na segunda instância. Agora, a empresa planeja entrar com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar manter o contrato.
A K-infra argumenta que a caducidade, oficializada na segunda-feira, foi decretada “sem a devida observância ao contraditório, à ampla defesa e ao devido processo legal”, disse, em nota.
“A decisão de caducidade, proferida de forma unilateral, representa uma punição desproporcional a quem escolheu agir diante do colapso de um contrato antigo e mal estruturado”, afirmou.
A empresa disse ainda que a caducidade “envia uma mensagem preocupante a novos investidores” e “reforça percepções equivocadas de que apenas determinados grupos têm espaço no país”.
Já o governo federal afirma que o processo deu diversas oportunidades para a concessionária se defender e tentar dar uma solução ao contrato, mas sem sucesso.
“O processo foi longuíssimo, foi apreciado por diversos órgãos, todo o procedimento legal foi seguido, com ampla defesa da concessionária”, afirmou George Santoro, secretário-executivo do Ministério dos Transportes, conforme reportagem do jornal Valor Econômico.
Para tentar evitar a caducidade, nos últimos anos o governo e a empresa chegaram a negociar uma repactuação da concessão, como outros operadores têm feito.
Porém, fontes que participaram do processo disseram que a renegociação não foi aceita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) porque a K-Infra tinha pendências elevadas na dívida ativa da União e porque se avaliou que a empresa não teria condições de se financiar para fazer os investimentos propostos.
Sobre o tema, a companhia afirmou que seu plano, que previa R$ 1,6 bilhão de obras, não foi devidamente apreciado pelas autoridades.
ROTA DA CELULOSE
O processo de caducidade também tem sido usado para questionar a habilitação do consórcio da K-Infra no leilão da Rota da Celulose, concessão de trechos de duas rodovias federais e três estaduais em Mato Grosso do Sul.
A K-Infra venceu a concorrência em consórcio com a Galapagos Capital, com uma oferta de 9% de desconto sobre a tarifa máxima de pedágio. A XP, consórcio que ficou em segundo lugar, ofereceu deságio de 8%.
No recurso apresentado pelo consórcio da XP, a empresa questionou os atestados técnicos do grupo e destacou descumprimentos contratuais na Rodovia do Aço ocorridos entre 2014 e 2018.
ALém disso, desengavetou um parecer da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), de 2024, afirmando que entre 2020 e 2024 “foram lavradas nada menos do que 75 (setenta e cinco) multas por descumprimento dos tempos de atendimento médico, de socorro mecânico e de inspeção de tráfego”.
O grupo também diz que a rodovia apresenta “vícios operacionais que evidenciam falhas estruturais na gestão, operação e manutenção da rodovia, como a ocorrência de trincas, flechas e deflexões no pavimento, deficiências em sistemas de drenagem, erosões em taludes e, de forma especialmente grave, a liberação de trechos rodoviários sem a devida sinalização de segurança”.
No recurso do consórcio da XP, o grupo também afirma que “foram identificados diversos documentos emitidos ou autenticados fora do prazo determinado pelo edital”, como a ata de Assembleia de Reunião dos Sócios da Galapagos, o balanço patrimonial do exercício de 2024 da K-Infra, entre outros, e questiona a saúde financeira da K-Infra, que tem capital social de R$ 10 mil e acumula prejuízos em sua operação nos últimos anos.
Além de pedir a inabilitação da vencedora — o que levaria à vitória da segunda colocada —, o consórcio pediu que a ANTT faça diligências sobre o atestado técnico e a capacidade da K-Infra.
Procurado pela reportagem do jornal Valor Econômico, o governo de Mato Grosso do Sul, responsável pela concessão da Rota da Celulose, disse que recebeu o recurso e que foi aberto prazo de três dias para o envio das contrarrazões. “Será cumprido regramento legal do edital”, disse.
Fontes do poder público afirmam que a caducidade da Rodovia do Aço não afeta, do ponto de vista legal, a habilitação no leilão da Rota da Celulose, já que os processos estão no nome da subsidiária da K-Infra, e não na controladora. Além disso, a empresa tem 50% do consórcio vencedor do leilão, e os demais 50% são da Galápagos.
Esse mesmo argumento deverá ser explorado pelo consórcio da K-Infra. Segundo uma fonte, os argumentos apresentados no recurso da XP não constam no edital, que não trazia nenhuma restrição em relação aos pontos trazidos pelo grupo, tanto a questão da caducidade quanto à comprovação financeira da empresa.
A Rota da Celulose da celulose “privatiza” a BR-262, entre Campo Grande e Três Lagoas; a BR-267, entre Nova Alvorada do Sul e Bataguassu, e a MS-040 (338 e 395), entre Campo Grande e Bataguassu. A concessão é por 30 anos e prevê a instalação de 12 praças de cobrança de pedágio.
No leilão, o consórcio da XP participou em sociedade com as construtoras CLD, Caiapó, Ética, Conter e a Disbral (Distribuidora Brasileira de Asfalto).
Em Mato Grosso do Sul, a construtora goiana Caiapó já atua em grandes obras. Está à frente pavimentação da BR-419, na região de Aquidauana, e na construção do acesso à ponte sobre o Rio Paraguai, em Porto Murtinho, uma obra de R$ 472 milhões.
MISTÉRIO
A K-Infra é vista no setor de infraestrutura com desconfiança, segundo fontes do jornal Valor. A empresa é controlada pelo Group K2 Holding e pelo Group 2GK LLC Group Holdings, empresas sediadas nos Estados Unidos e representadas por Carlos Alberto Kubota.
Em 2019, o grupo chegou a negociar a linha 6-Laranja do Metrô e gerou críticas no mercado pela falta de clareza sobre seus acionistas.
À época, a empresa disse ao Valor que atuava junto a fundos de investimento americanos, que não quiseram se identificar devido a regras de compliance. Novamente questionada pela reportagem a respeito em maio, a companhia não disse quem são os sócios.
Já a Galápagos Capital é uma gestora com R$ 27 bilhões de ativos sob gestão e que, no dia do leilão, manifestou a intenção de expandir sua atuação no mercado rodoviário.